““Nada é mais próximo da comunicação humana
do que nosso próprio corpo.”
Célia Maria Ramos.
O suporte utilizado numa produção artística é parte essencial da obra, ele dialoga com a técnica e enfatiza certas características conceituais. A escolha do suporte é fundamental para a concepção do trabalho, pois é ele que vai “carregar” a obra, e é através dele que esta se apresentará aos sentidos do interlocutor. Uma gravura em madeira traz consigo referenciais históricos e culturais diferentes de uma pintura em tela, por exemplo, do mesmo modo que uma mesma pintura sobre tela ou sobre um muro tem significação social diferentes entre si.
O suporte deste trabalho é o corpo, primeiramente aquele feito de carne, sangue e pele, sagrado ou profano, o corpo humano. O primeiro e o ultimo traje de uma pessoa, com o qual se entra e se parte da existência mundana. Tido como o primeiro suporte da comunicação e o mais próximo das relações sociais como definia o cientista político Harry Pross em muitos dos seus escritos citados por Célia Maria Ramos. O limite físico do ser individual no mundo que o cerca, sua referência pessoal, é a superfície que divide o Eu dos outros. Em seguida, numa noção de pluralidade, o corpo passa ser coletivo. Ao modo que o individuo forma conglomerados humanos, sociedades, e se agrupa por aproximações culturais, a fronteira que delimita a noção de nós passa a ser o muro, ao invés da pele. Tanto os muros da casa de uma família, as muralhas de um castelo, ou as fachadas de arranha-céus, são os limites dos espaços privados/públicos, individual/coletivo. Neste caso o suporte é o corpo urbano.
A necessidade humana de guardar informações, de transmitir conhecimentos e memórias, e o modo como essa motivação foi se desenvolvendo ao longo dos séculos, encontrou na gravura, na impressão, um modo a reproduzir tais conhecimentos e multiplicá-los, fazendo com que uma memória ultrapasse o limite do tempo, o limite da linguagem oral. A gravura traz consigo este aspecto histórico duradouro, e de socialização de memórias. Já na Bíblia, a palavra “gravado” significa “indelével”, “irrevogável”, e o verbo hebreu ‘zekher’ além de “gravar” também significa “lembrar-se”.
A tatuagem é a forma de gravar em um suporte vivo, o corpo humano. Interferência profunda e permanente. Este desejo de permanência de uma escrita, já utiliza o corpo como suporte a muito tempo. Passando do corpo individual, para um corpo coletivo, essas gravações aparecem na forma de pichações e grafites. Interage com a arquitetura de maneira semelhante com a qual um tatuador lida com a anatomia. E devido ao caráter transitório e efêmero característico das ruas dos centros urbanos, as pichações por sua vez carregam também essa impermanência, porém se fazem indeléveis através de sua incansável repetição, massiva e presença histórica tão antiga quanto a própria organização do homem em sociedade. É através das pichações, que anônimos ganham a visibilidade, demarcam seus territórios, deixam rastros por onde passam, escrevem nas paredes suas identificações e deixam registros de suas existências e também de como se inserem na sociedade da qual foram marginalizados.
- 1. Célia Maria Antonacci Ramos, Doutora em Comunicaçlão e Semiótica e professora do Ceart/Udesc. Autora de As nazi-tatuagens: inscrições ou injúrias no corpo humano? São Paulo: Perspectiva, 2006. E Teorias da tatuagem: corpo tatuado: uma analise da loja Stoppa Tattoo da Pedra. Florianópolis: UDESC, 2001.
Um comentário:
Falou tudo, cara. Não tem o que complemtentar! Parabéns.
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