30 setembro, 2010

Composição Urbana

Partindo das observações realizadas ao longo da pesquisa (e postadas aqui no blog) e das proximidades conceituais entre as técnicas e o suporte utilizado, o trabalho entra no campo da experimentação através de composições urbanaso termo composição urbana é utilizado pelo Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos, em contraposição ao termo intervenção urbana, como convenciona-se denominar ações artísticas realizadas na rua, pois não pretende intervir na cidade, mas sim compor com ela novos contextos – que se configuram através de marcas no corpo social. Tatuagens carcerárias gravadas nos espaços urbanos marginais.

Uma interação com a cidade e seus habitantes, que pretende tornar visível no corpo coletivo, rastros da sua vida, da sua história, trazendo aos olhos fragmentos e indícios da ocupação dos espaços urbanos por grupos de delinqüentes, criminosos e contraventores. E que são quase sempre esquecidos ou ignorados, por transgredirem as regras de conduta da sociedade civilizada.

Ao utilizar de signos retirados e adaptados de códigos fechados, como são as tatuagens de cadeia e a pichação, para deixar exposto a qualquer transeunte os indícios da historia marginal ocorrida no espaço/tempo urbano, o trabalho encontra uma questão importante: Porque fazer meu trabalho na cidade, na rua, onde todos podem ver e poucos poderão compreender minha mensagem?

Para responder esta questão, utilizo conceitos do grupo Corpos Informáticos a respeito de sinais nomadizantes e sinais noRmatizantes. O grupo explica que “o sinal noRmatizante (sic) assemelha-se a tatuagem, é previsível, advém de um projeto, se instala convenientemente em locais pré-estabelecidos, estigmatiza, classifica, e permanece no corpo como marca.”. Porém, acredito que as minhas tatuagens feitas no corpo urbano, atuam como sinais nomadizante, que são definidos como sendo “sinais que produzem uma espécie de cesura, onde a espacialidade e atemporalidade anterior se tornam alteradas; uma tensão imediata e modificadora, arrebatamento, nocaute, desesclarecer momentâneo, questionamento obsceno, perturbador, reflexos perplexos, pausas.” São assim, sinais que retiram o corpo que os carrega da conveniência, e que “permanece na memória do corpo e no corpo da memória.”. Desse modo as marcas que deixam visível a história marginal, as tatuagens deste corpo urbano, signos postos de maneira explicita, ao alcance da visão de todos, são sinais noRmatizantes numa função de sinais nomadizantes.

A ‘denúncia’ está lá escrita, mas não na maneira de um tablóide que escancara em suas manchetes: “EXTRA! EXTRA! PORTA DE ESCOLA SE TORNA BOCA DE FUMO!!!!”, e sim de uma maneira silenciosa, um indício que convida o espectador a um questionamento. Mas um convite, que pode ser aceito, ou não, percebido, ou não. Assim como as pichações não são decifradas por todos, mas apenas por aqueles que buscam tal compreensão, e também como as tatuagens de uma gangue só podem ser lidas em sua plenitude por quem foi iniciado nestes códigos.

Porém, quando se expõe um trabalho ele vai ser lido, de uma forma ou de outra, entendendo-se a idéia inicial do artista ou não, de maneira ‘certa’ ou ‘errada’, em sua totalidade ou parcialmente, ou ainda de uma maneira totalmente nova, pois a leitura é feita de pré-supostos que mudam de expectador para expectador. Aqui encaixaria uma definição do que seria uma Obra-Aberta, uma proposta de um campo de possibilidades interpretativas, como configuração de estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de maneira a induzir o leitor a uma série de leituras sempre variáveis; enfim, como constelação de elementos que se prestam a diversos diálogos.

Vale ainda ressaltar, que tal prática se utiliza de métodos para ocupações similares a dos grupos estudados e a dos que serão representados através das marcas. Prática ilegal e atividade de risco, a pigmentação da pele social transgride o planejamento urbano e coloca o artista na mesma situação que seu objeto de estudo. Vista com maus olhos, as ações então foram programadas para as madrugadas, sob a mesma escuridão onde agem os grupos marginais, por apresentarem um menor fluxo social e onde as brechas do sistema ficam mais frouxas e passiveis de ocupações.

Dentro de um universo de possibilidades, de histórias que poderiam ser sinalizadas, escolhi apenas três para iniciar estes tipos de composições. Rastros de prostituição, tráfico de drogas, e roubos foram estudados e configuram esta etapa prática dos trabalhos. São composições marginais que interagem com o espaço, sugerindo questionamentos e novos olhares para uma mesma cidade e cidadãos.

(continua...)

Referências:

Composição Urbana (CU) e Ueb Arte Iterativa (UAI) – Práticas e teorias artísticas do Corpos Informaticos.

NOTA: para visitantes de primeira viagem, aconselho dar uma olhada na APRESENTAÇÃO e se pá, na INTRODUÇÃO também.

23 setembro, 2010

Os corpos e suas gravações

“Nada é mais próximo da comunicação humana

do que nosso próprio corpo.”

Célia Maria Ramos.

O suporte utilizado numa produção artística é parte essencial da obra, ele dialoga com a técnica e enfatiza certas características conceituais. A escolha do suporte é fundamental para a concepção do trabalho, pois é ele que vai “carregar” a obra, e é através dele que esta se apresentará aos sentidos do interlocutor. Uma gravura em madeira traz consigo referenciais históricos e culturais diferentes de uma pintura em tela, por exemplo, do mesmo modo que uma mesma pintura sobre tela ou sobre um muro tem significação social diferentes entre si.

O suporte deste trabalho é o corpo, primeiramente aquele feito de carne, sangue e pele, sagrado ou profano, o corpo humano. O primeiro e o ultimo traje de uma pessoa, com o qual se entra e se parte da existência mundana. Tido como o primeiro suporte da comunicação e o mais próximo das relações sociais como definia o cientista político Harry Pross em muitos dos seus escritos citados por Célia Maria Ramos. O limite físico do ser individual no mundo que o cerca, sua referência pessoal, é a superfície que divide o Eu dos outros. Em seguida, numa noção de pluralidade, o corpo passa ser coletivo. Ao modo que o individuo forma conglomerados humanos, sociedades, e se agrupa por aproximações culturais, a fronteira que delimita a noção de nós passa a ser o muro, ao invés da pele. Tanto os muros da casa de uma família, as muralhas de um castelo, ou as fachadas de arranha-céus, são os limites dos espaços privados/públicos, individual/coletivo. Neste caso o suporte é o corpo urbano.

A necessidade humana de guardar informações, de transmitir conhecimentos e memórias, e o modo como essa motivação foi se desenvolvendo ao longo dos séculos, encontrou na gravura, na impressão, um modo a reproduzir tais conhecimentos e multiplicá-los, fazendo com que uma memória ultrapasse o limite do tempo, o limite da linguagem oral. A gravura traz consigo este aspecto histórico duradouro, e de socialização de memórias. Já na Bíblia, a palavra “gravado” significa “indelével”, “irrevogável”, e o verbo hebreu ‘zekher’ além de “gravar” também significa “lembrar-se”.

A tatuagem é a forma de gravar em um suporte vivo, o corpo humano. Interferência profunda e permanente. Este desejo de permanência de uma escrita, já utiliza o corpo como suporte a muito tempo. Passando do corpo individual, para um corpo coletivo, essas gravações aparecem na forma de pichações e grafites. Interage com a arquitetura de maneira semelhante com a qual um tatuador lida com a anatomia. E devido ao caráter transitório e efêmero característico das ruas dos centros urbanos, as pichações por sua vez carregam também essa impermanência, porém se fazem indeléveis através de sua incansável repetição, massiva e presença histórica tão antiga quanto a própria organização do homem em sociedade. É através das pichações, que anônimos ganham a visibilidade, demarcam seus territórios, deixam rastros por onde passam, escrevem nas paredes suas identificações e deixam registros de suas existências e também de como se inserem na sociedade da qual foram marginalizados.

- 1. Célia Maria Antonacci Ramos, Doutora em Comunicaçlão e Semiótica e professora do Ceart/Udesc. Autora de As nazi-tatuagens: inscrições ou injúrias no corpo humano? São Paulo: Perspectiva, 2006. E Teorias da tatuagem: corpo tatuado: uma analise da loja Stoppa Tattoo da Pedra. Florianópolis: UDESC, 2001.

03 setembro, 2010

Vor v Zakone - Máfia Russa

Voltando para as pixações humanas, uma oura referência forte no meu trabalho é o código de tatuagens da máfia russa Vor v Zakone ( numa tradução livre, algo como "Ladrões na Lei ").

“Em prisões russas, sua história de vida está escrita em seu corpo, em tatuagens. Você não tem tatuagens, você não existe." – Eastern Promises do diretor David Cronenberg. Universal, 2007.

(desculpe, mas não achei trailer legendado...)

Os Vor v Zakone não costumam tatuar o rosto, porém a complexidade e a riqueza de seu código chamam a atenção. Sendo uma organização hierárquica, as tatuagens têm o papel de classificar essa escala social dentro da facção, podendo até ser removida com processos químicos caso um membro perca um determinado cargo. O uso destas tatuagens pode ser voluntário ou forçado, como forma de punição do indivíduo dentro da sociedade criminosa. E aqueles que possuem tatuagens com os símbolos russos sem o devido merecimento pode ser punido com a morte.

Nascidos nos campos de prisioneiros de Stalin, os Vory se transformaram nos barões do crime, assumindo o status de elite do submundo na Rússia. Possuem um rigoroso código de honra e lealdade, e até um dialeto próprio, características que se refletem em suas tatuagens. Eles estão envolvidos em todo tipo de prática criminosa, desde pequenos roubos, prostituição, trafico de drogas e de armas, ate esquemas de lavagens de bilhões de dólares.

Os simbolismos desta facção são tão complexos e secretos quanto ela mesma. Saber identificar suas tatuagens pode trazer detalhes precisos sobre a vida do tatuado. Assim como as imagens dos ortodoxos russos representam os trabalhos piedosos dos santos, as tatuagens dos Vory detalham suas façanhas criminais. E é essa riqueza de informação que torna esta prática característica da máfia Russa.

Através das suas tatuagens é possível saber aonde o mafioso as fez, qual presídio que esteve condenado, o número de condenações a que respondeu processo, se é órfão, se atua no campo ou na cidade, se é descendente de membros da máfia, quais tipos de crimes praticados, se é viciado em drogas, se passou por centros de reabilitação juvenil, se é anti-semita e se é fugitivo, dentre outros aspectos possíveis de serem deduzidos a partir da análise das suas gravações corporais.

Outra característica interessante das tatuagens de cadeia é a técnica desenvolvida para gravação de corpos. Máquinas de tatuar feitas com motor de barbeador, agulhas com cordas de violão, fabricação da tinta a partir da raspa da borracha da bota dos detentos misturada à própria urina do tatuado, ou até cinzas de cigarro com saliva, e suas demais variações de acordo com os materiais disponíveis para no cárcere. Essa técnica improvisada confere aos desenhos uma estética particular, um aspecto rudimentar característico do seu modo de produção. Traços grossos pela falta de precisão dos instrumentos, falhas, distorções, borrados provocados pelo movimento do pigmento no tecido subcutâneo, interrupções na plasticidade da imagem provocadas por inflamações, uma cicatrização inadequada conseqüência da falta de higiene e até mesmo os desenhos primitivos e sem estudos elaborados são elementos estéticos marcantes deste tipo incisão no corpo.





Mosteiros, igreja e catedrais são como metáforas para presídios,as vezes aparecendo junto as inscrições como “A Igreja é a casa de Deus”, subtendendo-se “a Cadeia é a casa do Ladrão”. O numero de torres indicam os anos de condenação ou o numero de vezes que foi preso.




Esta tatuagem indica alto cargo na hierarquia da Máfia, como capitão, major etc. já o crânio geralmente designa assassinos.


Segue alguns links pra quem quiser ver mais coisas a respeito...

LEGAL, tá tudo em russo!! ¬¬ . É complicado para arrumar informações mesmo, mas não é impossível. Vale tentar isso no google e sair catanto o q interessa: (русский уголовного татуировки)