Em outubro, depois de já ter tido algumas conversas por e-mail e falado sobre o meu trabalho e este blog, encontrei com o Djan Ivson, mais conhecido como “CRIPTA”.
Pixador das antigas, CRIPTA hoje é responsável pelos DVDs da série 100 COMÉDIA, que traz imagens impressionantes sobre o universo da pichação paulista. Além de, juntamente com Rafael PIXOBOMB, organizar os ataques dos pichadores à 28ª Bienal de São Paulo.
Rafael PIXOBOMB, era aluno da Faculdade de Belas Artes, em São Paulo, e seu Trabalho de Conclusão de Curso, foi o ataques de pichadores à exposição de Diplomação. ARTE COMO CRIME, CRIME COMO ARTE ]
Este ano, tanto Djan quanto Rafael, foram oficialmente convidados a participar da 29ª Bienal, como o COLETIVO PIXAÇÃO SP.
CRIPTA já tinha participado de uma exposição, em Paris, na Fundação Cartier, chamada “Né Dans La Rue: GRAFFITI” – e que vocês podem saber mais visitando o link1 e o link2. E é sobre essas inclusões marginais nos espaços institucionalizados de Arte, e sobre a pixação, que conversei com CRIPTA, confira aí alguns trechos:
TAIOM – Djan, na sua visão o que caracteriza a pichação? Se pudesse resumir, o que seria a essência da pichação?
DJAN CRIPTA – A pichação está mais baseada na estética, o diferencial dela você percebe pela estética, né? E a essência da pichação mesmo é um corre existencial de uma parte da população que vive à margem, na periferia, que acaba encontrando no movimento uma opção de lazer e de reconhecimento social. Acho que devido até à ausência do Estado na vida de muitas pessoas a pichação acabou surgindo. E acabou virando uma forma não só de corre existencial, como uma forma de expressão artística também. Porque às vezes o cara que é pichador, ele não teve opção de aprender, de estudar em uma escola de artes, aprender desenho, essas coisas, e tem aquele potencial dentro dele, que é uma coisa que ele não consegue segurar. Então eu acho que a pichação é mesmo esse grito existencial.
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TAIOM - Se fosse pra você dizer a linha que diferenciaria o que é grafite e o que é pichação. Já vi pessoal falando que graffiti é mais elaborado tem cor... Até a própria definição de graffiti no Aurélio, fala que ele passa uma mensagem de protesto. Outra coisa que eu pesquisei é que o Brasil é o único lugar onde existe essa diferenciação entre pichação e grafite na forma de palavra mesmo. Geralmente no exterior, usa-se o mesmo termo pra definir pichação, graffiti, tag, e tudo mais... Aqui no Brasil tem essa visão bem diferente do que é pichação, do que é grafite mas ninguém sabe onde acaba um e termina outro... Onde é que seria?
CRIPTA – Eu acho que fica bem claro pra quem é pichador porque o movimento Pixação é um movimento tipicamente de São Paulo, paulista né? Nasceu aqui... Como o Graffiti nasceu em Nova York, entendeu? São dois movimentos distintos que tem a mesma essência, né? Nasceram praticamente da mesma forma. Um grito existencial, uma forma de expressão... libertária, que não precisava de um aval da sociedade pra poder estar se apropriando de espaços públicos e privados. Porém, o graffiti, devido à sua estética ser mais colorida, ele passa a ter uma aceitação melhor perante a sociedade, mas também perde sua essência transgressora . Que é o que acontece, hoje em dia pode se dizer...
TAIOM - Está ficando estéreo, né?
CRIPTA – É. O graffiti MESMO, essência, ele é bem pouco, ele é tímido. Se for comparada à pichação no Brasil, ele quase não existe. Ele se torna uma coisa bem pequena. Agora existiram, acabaram se criando outras formas de graffiti. O graffiti comercial, o desenho com técnicas de graffiti, o muralismo... É. Uma mistura de movimentos né? Do muralismo com o graffiti e acabou surgindo uma coisa mais... eu não diria artística, mais técnica e menos transgressora. Mais domesticada inclusive né? Porque não é só o lance da transgressão que se perde, é o lance da liberdade...
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TAIOM - E a relação da pichação com o espaço urbano, como tipo de ocupação de certas brechas que o sistema deixa? (...) A população que é colocada às margens, pela periferia, mas acaba voltando por que tem muito espaço vazio nesse espaço urbano. Qual a relação da pichação com esse espaço?
CRIPTA – É, então, praticamente tudo é tomado pela pichação. Tem o lance de atacar os locais mais deteriorados, pelo apego que o pichador tem com a sua assinatura, de querer ver aquilo permanecer por mais tempo, mais também tem o lance instantâneo né? Daquele impacto de pegar um prédio que, porra! Super escandaloso a fachada dele, que você sabe que vai apagar no outro dia, mas você vai fazer e aquilo vai entrar pra história como algo que foi conquistado. Então tem esse da demarcação e da conquista. Isso é muito presente na pichação como na sociedade também, só que de uma forma simbólica, né? São os excluídos buscando alguma forma de reconhecimento, de demarcação. Por que a gente não tem nada na cidade, a gente mal tem casa. Muitos moram aí em locais invadidos ou pagam de aluguel com muita dificuldade, e de repente você é dono de um prédio. Aquele prédio vira seu, porque você conquistou ele, sabe? Tem muito disso, é muito legal essa inversão de valores que existe.
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TAIOM – Falando em arte, como que foi essa passagem pro espaço institucional, só que dessa vez a convite?
CRIPTA – Desde quando a gente começou toda essa transição, com o sacrifício do TCC do Rafael, nas Belas Artes, nossa busca é existencial também, até porque o movimento era simplesmente ignorado. Que nem eu disse, não que a gente precise definitivamente do aval desses caras pra ser arte. Pichação ela já é arte por si só. Mas se realmente, as pessoas que estão à frente das instituições de arte no Brasil prezam realmente pela arte, era mais do que direito a pichação ter tido já esse reconhecimento. Que já é um movimento que existe há trinta anos e ele se apropria de tudo na cidade né?
TAIOM – Ela tá bem na cara de todo o pessoal que vive na cidade, mas finge não ver...
CRIPTA – Principalmente o circuito das artes, que sempre apontava para um caminho que pichação é uma doença , e que se o cara se transformasse num grafiteiro ele seria curado. Então pichação é uma doença e o graffiti a cura, entendeu? Então é muitas pessoas que estavam à frente da arte, e estão até hoje, apontavam pra esse caminho, ou acham que esse é o caminho. Acham que pichação é algo que é transitório, que o cara por aquilo ali ele vai superar, e não. Tem cara que é pichador desde os anos 80 e tá pichando até hoje.
TAIOM – Não por falta de conhecimento estético ou de arte...
CRIPTA – Não, não. Porque o talento dele tá ali, é outra forma de talento, entendeu? Cada um tem um potencial. Um faz escultura, o outro faz gravura, e tem o cara que pixa.
TAIOM – E a transição para o caso dessa bienal agora, através dos registros...
CRIPTA – É. Voltando ao foco do assunto... Como as instituições de arte acabaram... O Ministério da Cultura, que é o principal né? Quem dita o rumo da arte no Brasil é o Ministério da Cultura, que financia todos os projetos... A pichação ela não precisa do Ministério da Cultura pra sobreviver, e isso já é muito claro, certo? Então é, de que forma a gente iria fazer isso, sem ferir a nossa essência? De forma documental, de uma forma que a rua estaria ali, mas sem estar ali. Estaria ali na forma de um registro.
TAIOM - Fragmento...
CRIPTA – É. Porque não tem como a gente levar. Nosso ateliê é a rua, nossa tela é a rua. A gente não precisa de uma tela de pano pra tá fazendo o que agente faz, entendeu? Então como representar algo tão grande se dessem uma parede em branco pra nós? Seria pouco. É só mais uma representação estética. Por mais que seja interessante também o reconhecimento estético, pelo que o movimento representa é pouco. Então foi dessa forma que a gente falou... Que a gente tá sempre convicto que é a melhor forma de representar o movimento. Porque em Paris foi mais interessante ter esse reconhecimento estético, essa representação estética porque realmente não se vê pichação na Europa, do tipo paulistano. Porque até o tag, ele é a evolução do graffiti, tag e graffiti é tudo a mesma coisa lá. Se você acompanhar a historia de Nova York, você vai ver que o graffiti evoluiu dos tag, que começaram a ser contornados elaborados e tal. Mas a pichação aqui, a única evolução dela é de apropriação.
TAIOM – Procurar lugares maiores, mais difíceis?
CRIPTA – É, isso. Porque cada pichador tem sua estética. Então a riqueza de estética é muito grande.
TAIOM – Variada...
CRIPTA – Variada. Infinita, pode-se dizer. Então é muito legal que tem esse lance da identidade da pessoa, cada pichador ele vai ter seu estilo, por mais que ele até tente copiar alguém. Ele vai tentar mas vai ter um traço genético dele ali, sabe? Isso é interessante.
(...)
TAIOM – E questão de estética, como é o estudo técnico de um pichador? Como é a formação dele, a tipografia? Como é que vêm esses desenhos? Tem a questão da troca de folhinha? Como é mais ou menos?
CRIPTA – Eu acho q é meio que uma influência, né? Ele acaba sendo influenciado por pixos que ele vê na infância, no correr de sua formação de rua. E ele acaba criando um estilo automaticamente único também, o movimento pede isso. E automaticamente alguém que tenta copiar outro acaba não copiando porque acaba criando um estilo parecido, que acaba sendo único também. Então tem muito desse lance da identidade mesmo. O pixo ele cria a identidade do cara. Ele acaba se tornando.