20 agosto, 2010

PIXO

Uma pausa nas tatuagens para mostrar outro aspecto importante do meu trabalho e que se passa na esfera urbana. O tema de hoje são as inscrições marginais no espaço Urbano que utilizo como referência visual: as pixações (escrita com X como é utilizada pelos grupos envolvidos, ilustra o caráter transgressor inerente ao ato, uma subversão da língua portuguesa).

Assim como as tatuagens de organizações criminosas, as pichações dificilmente são compreendidas por quem não está diretamente relacionado com elas, e são também um código fechado, restrito, que comunica diretamente de pichador para pichador, “ela não se comunica com a sociedade. Ela é uma agressão. Ela é feita para agredir a sociedade” como define Choque, fotografo e envolvido com o movimento de pichação em São Paulo, em relato no documentário PIXO (2009).

Letras que podem dizer de onde quem às escreveu veio, qual seu propósito e como ele se organiza, passam quase que despercebidas todos os dias, pois tal código não é decifrado pela sociedade. A “pichação explode nas cidades, produzindo caoticidade na constituição visual do sistema urbano”, como uma espécie de “expressionismo abstrato” como foi citada por Luiz Pinheiro da Costa (Profesor da UFPA), sendo “resultante dos acontecimentos socioculturais”. Neste campo a referência principal é a cena paulistana de pichações, também conhecido como “pixo paulista” este cenário é único no mundo. Possui características tão singulares que o torna produto de exportação e é considerado um fenômeno tipicamente brasileiro, mais especificamente da cidade de São Paulo.

Falo de pixações e não de graffiti, pois são fenômenos diferentes embora estejam intimamente relacionados, vejamos as definições do dicionário Houaiss para os termos:

gra.fi.te
s. f. 1. Lápis próprio para desenhar. 2. Palavra, frase ou desenho, geralmente de caráter jocoso, em muro ou parede de local público ou privado.

pi.cha.ção
s. f. 1. Ato ou efeito de pichar; pichamento. 2. Escritos e desenhos em muros de via pública.

Essa separação entre Grafite (ou graffiti, como é comumente utilizado) e Pichação não acontece em outras línguas, como no inglês onde o mesmo termo define os dois conceitos. Aqui parece ter um abismo entre as duas práticas, uma mais facilmente associada à arte, e a outra ao vandalismo. Porém os limites dessa separação não são claramente especificados. Embora exista o entendimento coletivo de que grafite e pichação são ações diferentes, não se pode afirmar com certeza onde de fato se dá esta separação. O código penal brasileiro separa as duas atividades, usando os termos pichação e grafitagem separadamente, e não como sinônimos. Porém, as duas modalidades se encaixam no mesmo artigo da Lei dos Crimes Ambientais.

Lei N.º 9.605 de 12 de fevereiro 1998.

Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.

Conceitualmente a separação de pichação e grafite, passa pelo argumento de que a primeira não possui elaboração ou técnicas gráficas, e é desprovida de caráter artístico, ao passo que a segunda de acordo com suas origens morfológicas, seria uma forma de expressão artístico-visual (plástica ou não) que utiliza um conjunto de palavras e/ou imagens a fim de transmitir uma mensagem de reflexão.

Mas as gerações de pichadores paulistas, ao longo de décadas, vem destruindo estes conceitos, de modo que não se pode afirmar de maneira nenhuma que suas grafias não possuem elaboração ou técnicas gráficas, e nem se pode negar-lhes um caráter artístico. A cena urbana construída na megalópole possui uma visualidade única no mundo, onde estes gráficos já estão tão adaptadas ao seu contexto que dialogam de forma coerente com a paisagem da capital paulista, onde a arquitetura serve de linha-guia para a escrita, como um caderno de caligrafia a céu aberto. Os desníveis sociais, a criminalidade, a organização espacial, e toda a multiculturalidade e caoticidade da cidade fizeram com que nela brotasse uma identificação visual singular, cheia de características tipicamente brasileiras.

Essa tipografia peculiar foi se desenvolvendo lentamente e traços de suas possíveis influencias podem ser identificadas como logos de bandas de rock, fontes góticas, etruscas, romanas antigas, runas e etc. Fatores gestuais e técnicos também influenciam nas características destas letras e dentro deste universo caligráfico, existem ainda subclassificações, onde cada grupo elabora um alfabeto característico, buscando uma identificação mais marcante.







Referências

PIXO documentário (trecho de 10 minutos)
Choque Photos: PIXAÇÃO - SP (galeria de – ótimas – fotos )
Choque Photos: PIXAÇÃO ART ATACK (registro dos ataques à faculdades, galerias e murais)
Pichação: expressionismo abstrato e caos urnbano (texto do professor Luis Pinheiro da Costa, UFPA)
O que é Grafite? (extraído do site do IBGE )
Grafite (retirado do site Brasil Escola, dentro da sessão de artes)
Os Gemeos 1 e Os Gemeos 2 (tags – pixos).

13 agosto, 2010

MARA SALVATRUCHA

Continuando na apresentação das referências e das tatuagens de cadeia, agora trago uma que me chamou bastante atenção pelo excesso e pela localização de suas tatuagens. A MS 13 (como é abreviado seu nome) é uma gangue que começou nos anos 80 com imigrantes fugitivos da guerra civil de El Salvador, instalados nas áreas de baixa renda de Los Angeles. Porém, esse fluxo de imigrantes buscando emprego e moradia não foi bem recebido pela população local (mais precisamente pelas gangs já existentes) que acabaram tornando-se vítima da violência das gangues já existentes.

Para se defender das hostilidades os ex-guerrilheiros se juntaram, e a gangue logo ficou conhecida como a mais violenta da região, substituindo rapidamente seus rivais. Ganharam territórios e pontos de venda de drogas, o que fez a quadrilha crescer ainda mais. Seu nome vem da combinação de “Mara, gíria que significa “bando, ou gangue de rua, e o termo “Salvatrucha”, um termo usado para designar pessoas vindas de El Salvador. Já o numero 13 é atribuído como homenagem a “Mexican Máfia”, gangue de mexicanos nos presídios californianos, onde a formação das quadrilhas não se dá mais por motivos bairristas, como eram nas ruas. Quando dentro dos presídios, as gangues passam a se agrupar por motivos étnicos, como a Arian Brotherhood e a Black Guerrilla Family. O numero 13 carrega também um significado mais próximo com a violência da gang, pois um jovem para se tornar membro da Mara, tem que passar por uma sessão de 13 segundos de espancamento. Um pouco depois, a partir de membros de outras gangues de mexicanos e alguns poucos desertores surge um grupo rival, a Mara 18, quase tão numerosa e igualmente temida, e que carrega este nome por ter se iniciado a partir da 18 street.

Toda essa movimentação de drogas e violência acabou resultando na deportação de membros da MS 13. Mas esta medida do governo americano não resolveu a situação, pelo contrario. De volta a El Salvador, a quadrilha cresceu rapidamente e tornou-se a maior do país, também se espalhou pela Guatemala, Honduras, e outros países da América, e seus integrantes chegam a aproximadamente 70 mil. O problema ficou então bem maior e levou, em 2004, Honduras e El Salvador a implantarem leis anti-gangues, onde um suspeito de pertencer a organizações criminosas poderia ser preso por até 12 anos. E ter uma tatuagem com referências às tais gangues, já era considerado prova suficiente para prender um suspeito, o que fez com que os iniciados na quadrilha, gradativamente parassem de se tatuar.


As tatuagens denunciavam, claramente, um “mara”, isto porque para merecer uma tatuagem da gang e entrar de vez para a família, o candidato tinha que matar um membro da gang rival. Só assim estaria apto a receber uma gravação com um MS ou um 18. Todas as imagens tatuadas desde a iniciação tinham algo que relacionasse com a quadrilha ou com a vida do crime (“mi vida loca” como eles comumente se referem). Seja escrita com letras góticas, manuscritas ou com base em letras de pichações, as homenagens ao bando se repente incansavelmente e dividem espaço nos corpos com outros elementos como lapides, grades, armas, e mulheres.

Mas antes destas leis discriminatórias, as tatuagens dos Maras Salvatrucha e dos Maras Dezoito tinham uma característica bem peculiar, principalmente entre tatuagens de cadeia, pois era comum ver os membros da gangue com tatuagens no rosto, pescoço e mãos, lugares difíceis de serem vestidos. Geralmente tatuagens de organizações criminosas tendem a ser mais discretas ou possíveis de serem escondidas, visando a possibilidade do indivíduo não ser facilmente reconhecido e passar despercebido, facilitando assim suas atividades criminosas. Como é o caso dos Yakuza, que tatuam o corpo inteiro, mas tradicionalmente essas tatuagens não podem ultrapassar o pulso, o tornozelo e o pescoço do mafioso.


Tatuar o rosto era comum entre a tribo Maori como prova de coragem, motivo de orgulho e prova de sua posição na hierarquia social, e estas inscrições corpóreas só eram permitidas a homens livres e nobres. Nas Maras, essas características de coragem e orgulho também são notadas, bem como um sentido de identidade pessoal/coletiva. Ao tatuar o próprio rosto com os símbolos de suas gangues, o jovem demonstra sua bravura e seu desejo de pertencer a “família” (como eles se chamam) assumindo permanentemente a identidade do grupo. Abrir mão das características físicas mais notáveis quanto a individualidade e identidade para carregar as marcas de seu bando no local mais visível do corpo “los maras” demonstram convicção e um forte comprometimento com o grupo, além do significado de braveza por ter passado por um ritual doloroso e com conseqüências para o resto da vida.

O que antes era inegavelmente particular, agora passa a pertencer ao coletivo.








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links relacionados:

http://www.knowgangs.com/gang_resources/profiles/ab/

http://www.knowgangs.com/gang_resources/bgf/

http://www.urbandictionary.com/define.php?term=salvatrucha

http://www.scribd.com/doc/12737384/The-Japanese-Tattoo

http://history-nz.org/maori3.html

06 agosto, 2010

DE CADEIA!

Como já falei no texto de introdução postado aqui, este trabalho trata de tatuagens carcerárias, aquelas feitas em presídios, feitas toscamente. E é sobre esse universo que juntei algumas referencias, matérias e pesquisas e preparei um pequeno texto:


Desde os registros mais antigos de gravações no corpo humano (datados de cinco mil anos), passando pela patente de Samuel O’Reily da máquina elétrica de tatuar em 1891, até os dias de hoje, a tatuagem cresceu muito tecnicamente. Já foi feita tanto com espinha de peixe e tinta extraída de polvo, como com agulhas de aço e máquinas movidas a ar comprimido. Mas seu princípio de perfurar a pele, deixando uma marca indelével permanece o mesmo.

Assim como a gravura, que surgiu como técnica de reprodução e multiplicação de imagens e só tempos depois ocupou o mesmo espaço dado a técnicas como a pintura, o desenho e a escultura, a tatuagem contemporânea também ganhou o status de Arte.

Mas o que me desperta interesse, e é onde meu trabalho busca referência, não são as tatuagens contemporâneas feitas em ateliês e estúdios modernos (ou em programas de TV!). O campo onde estudo é o ambiente marginal das chamadas tatuagens de cadeia, que constituem um código fechado, feito para ser interpretado por iniciados ao universo da criminalidade (ou curiosos que procurarem bastante...).

Aqui no Brasil, já nos anos 20, as pesquisas do psiquiatra Moraes Mello, que trabalhou na Casa de Detenção (Carandiru) em São Paulo, registraram e analisaram mais de três mil diferentes marcas nos corpos dos detentos paulistas, e começavam a decifrar tais códigos. Além dos motivos estéticos e resultado do ócio nos tempos de privação de liberdade, as tatuagens carcerárias pesquisadas apontaram para traços da personalidade do criminoso, mostrando tanto as especialidades do detento no mundo do crime, quanto os seus amores e preferências sexuais.

Pontos tatuados no dorso da mão entre o indicador e o polegar podem mostrar, por exemplo, quais delitos o portador é tendencioso. Um ponto para batedores de carteira, dois para estupradores, três para traficantes, quatro e cinco para ladrões. E dependendo da localização é possível saber a posição hierárquica do indivíduo perante a quadrilha, como mostra quadro criado pela Escola de Administração Penitenciária de São Paulo. Corações atravessados por uma flecha e com a inscrição “Amor de Mãe” eram usados por homossexuais passivos, já a imagem de um crânio atravessado por um punhal designava os matadores de policiais.

Estes são apenas alguns exemplos dos resultados da pesquisa, mas que hoje em dia não podem ser tomados ao pé da letra. “Não acredito que os presos de hoje em dia saibam o que significam as imagens gravadas em seus corpos. (...) Essa coisa da tatuagem ter um significado é coisa do passado.” diz o médico Dráuzio Varella em reportagem de Giuliano Cedroni, na Revista TRIP, sobre o trabalho de Moraes Mello.








Alem dos registros do Carandiru, outros dois grupos fazem parte das referencias visuais: as Maras, e os Vory. Mas estes são assuntos pra outros posts...